Redigir a interpretação de trânsitos astrológicos é uma tarefa delicada. Como tudo no universo é interdependente, nomear qualidades separando através da racionalidade exige extrema prudência, serenidade e rigor. A astrologia não pode ser culpada pelos meus erros. Mesmo assim, vale a aventura. Ela é a nossa orientação há milênios. É a arte presente no fundamento de todas as ciências e religiões porque exprime as nossas reflexões existenciais. A astrologia não sabe tudo, nem aponta só tendências como costumam dizer. Sua linguagem é simbólica, atendendo a vários níveis de compreensão.
” Disse também Deus: Haja luzeiros no firmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; e sejam ele para sinais, para estações, para dias e anos.”
Gênesis 1-14
Sinal – aquilo que serve de advertência, ou que possibilita conhecer, reconhecer ou prever alguma coisa. (Dic. Aurélio)
O mistério, o desconhecimento e o esquecimento são condições para a existência. O lembrar e o esquecer são fatores primordiais para a vida. Um astrólogo não “tem que dizer tudo” porque o “tudo” não é revelado. Não podemos saber tudo porque tudo está SENDO. Teríamos que estar em todos os lugares ao mesmo tempo, em todos os tempos… A “imprecisão” é precisa, necessária, natural. Não importa se é porque o astrólogo é inexperiente ou se não era para o cliente (ou ambos) saberem. No fim das contas, a realidade é uma só. Se percebemos seus sinais, magnífico! Podemos compreender o que passamos e nos prepararmos para o que virá. Se não nos “ocupamos” com um dado novo é porque ainda precisamos nos dedicar ao já conhecido.
” É a persistência do mistério, que nos inspira a criar.”
Marcelo Gleiser (Dançando com o Universo)
Tudo está em constante RELAÇÃO e mutação. Nada “influi sobre” nada. Ninguém “sofre” a influência de um astro. A astrologia estuda as correspondências encontradas no universo, através das analogias entre o micro e o macro cosmo – entre a Terra e o Céu. Não idolatra planetas, não faz apologia, nem defende um determinado “ponto de vista”. Ela apenas se situa ENTRE, identificando ciclos naturais, suas proporções e sincronicidades. Se ela tem um “ponto de partida”, podemos dizer que é a partir do CENTRO: entre a sístole e a diástole, entre a inspiração e a expiração, entre os dias e noites. Ela é HORIZONTE. Ela faz parte da nossa sobrevivência. Ela não existe para EXPLICAR A VIDA, mas para conhecê-la, apreciá-la e celebrá-la. A única coisa que dela decorre e para alguns, ou melhor, para a maioria das pessoas é um problema, é a aceitação da própria vida. Não estou aqui defendendo uma postura de resignação, nem de acomodação. Independente de “o que causa o que” ou qualquer tese determinista e mesmo antes de qualquer juízo, existe a VONTADE. E essa vontade é a chave da sua conexão com o “todo”. Ela é percebida como apenas sua, mas na verdade a vida acaba demonstrando que o que é exclusivamente “seu”, é a sua conexão com algo além e maior do que você entende como “você” ou como ”seu”.
“As grandes decisões na vida humana têm, em regra geral, muito mais a ver com o instinto e outros misteriosos fatores inconscientes do que com a vontade consciente e o raciocínio significante.”
Jung (The Practice of Psychotherapy)
” Os fenômenos sincronísticos são a prova da presença simultânea de equivalências significativas em processos heterogeneos, sem ligação causal;…”
Jung (Sincronicidade)
Querer não é poder. Querer é desejar ter alguma coisa, de fora prá dentro. Vontade você já tem e quer exercê-la. Ter “má vontade” com a vida é sinônimo de exclusão e morte. Você só tem “boa vontade” quando há o sentimento de PERTENCIMENTO no seu viver. Sentir-se incluso e participante é o oposto de resignar-se. A astrologia desperta essa percepção de pertencimento e modifica a noção comum de “livre-arbítrio”. Ela demonstra que a sua liberdade de escolha é a sua REALIZAÇÃO. O que nada tem a ver com a visão individualista de auto-afirmação ou poder pessoal. (Eu fico só imaginando a quantidade de seguidores do “Segredo”, agora divididos entre vitoriosos ou derrotados por seu “poder de atração”!). Você faz o seu destino porque você o é. Você não “muda” o seu destino, porque você já é seu co-autor. O “drama humano” não é a PREDESTINAÇÃO, o destino cruel. Nem “o inferno são os outros”, como disse Sartre. O problema está na sua relação com a sua própria realidade.
O mais comum ao se interpretar um trânsito é o cliente perguntar: – Isso é bom ou ruim? Penso que se Beethoven tivesse sido proibido, impedido de fazer música, preso e condenado judicialmente devido ao fato de ser surdo, ou se surdo não fosse, não teríamos hoje a sua “Ode à alegria”, por exemplo. O dito “tirar a sorte grande” pode perfeitamente se aplicar a uma “fatalidade” quando vista por uma determinada ótica. Mas, por favor, não quero dizer com isso que ser surdo seja bom!!! Só estou querendo ilustrar um problema muito freqüente nos atendimentos: a solicitação de uma avaliação de um momento futuro por parte do astrólogo. Afinal, a própria vivência é que é contundente! Vejo um terceiro fator chave entre uma crueldade e uma dádiva do destino: a alegria da auto-realização. Podemos passar por momentos difíceis e tristes sem perder a alegria de viver. Mesmo não manifesta, silenciosa, ela acompanha o suicida, oculta no prazer de encenar o seu ato extremo. Quem se sente excluído e descrente do amor universal, adoece ou comete crimes. O grande problema é a nossa dificuldade em aceitarmos a nossa própria natureza cósmica. A realidade de que somos únicos e ao mesmo tempo um. Quando você ataca alguém é porque ainda não reconheceu este outro em você. A agressividade é uma ação natural do iniciante, ingênuo e espontâneo. Já a violência, excede, ultrapassa limites. Agressividade é ignorância. Violência é burrice! Para mim, o sentido da vida é a compaixão: a alegria de viver compartilhada. Não culpo e não justifico através dos astros, nem meus antepassados, nem vidas passadas, espíritos, santos, deuses ou demônios. Nada de inferno ou paraíso. A glória é o agora. Tudo tem uma razão de ser, impossível de ser identificada. Apenas observamos seus sinais, as qualidades do tempo, verificamos padrões de manifestação, encontramos significações e evoluímos ao nos reconhecermos na natureza através dos nossos afetos. As contrariedades também são boas porque indicam mudança. A estagnação é que é venenosa e contrária à vida. Conviver com a diversidade requer esforço e sabedoria porque o diverso nos assusta, delimita, contraria, frustra e anula. Para viver essas inflexões é preciso ter muita paciência! Isso não requer só um elevado grau de espiritualidade, requer físico e fôlego!
Eu não separo a matéria do espírito, nem prego a reencarnação. Sinto e entendo a vida como uma só consciência, onde cada um a “regula” do seu modo e de acordo com a necessidade do seu destino. Prá viver não existe “receita de bolo”, nem o sapato do outro me serve. Se nasci em Março, com o Sol no signo de Peixes, por exemplo, como posso ver o mundo com os olhos de um Escorpião? Através dos estudos milenares astrológicos, visualizamos um ciclo natural de manifestação. As estâncias da vida e suas qualidades representadas pelos signos (radiações do centro, da unidade) são de grande ajuda para compreendermos a diversidade. A vida brota em Áries, de forma espontânea, mas tendo você o ascendente em Touro e por isso iniciando as coisas de forma lenta, não quer dizer que esteja “errado” no seu modo de agir. A partir do momento que você conhece as outras doze formas de manifestação, você se vê de fora, se conhece melhor e aos outros também. Você visualiza a sua especialidade e sua participação na coletividade. Não são apenas os Capricornianos, os profissionais ou os chefes, mas é bom saber que só nesta estância encontramos as qualidades que os define: Iniciativa com base em dados concretos, visão geral e de classificação, representatividade, responsabilidade e aperfeiçoamento constante. A generalização só ajuda quando fundamentada na natureza e delimitada por sua unicidade. Você pode apenas acatá-la por comodidade, negá-la por orgulho ou aceitá-la porque a intui, sentindo como verdadeira. Afinal, é humano e saudável questionar qualquer racionalização. Concordar não é submeter-se, é compartilhar (COM) do mesmo coração (do latim CORD).
Vamos então ter boa vontade diante do novo! Pertencer, aceitar, receber, doar, perdoar, amar… Mesmo excluindo a questão da fé , o discurso do bem e a definição de caminhos para uma conduta correta, a universalidade e suas leis naturais representada na astrologia pode ser confundida como crença. Embora às vezes possa parecer, a astrologia não é “moralizante”, nem é uma religião. Mas, assim pode ser entendida por aqueles que ainda “brigam” com a sua própria natureza, vendo em tudo e em todos, corrupção e pecado. A astrologia demonstra que a sua individualidade não é um erro e que suas características não são “defeitos”. Ela ajuda você a conhecer melhor e a aceitar a sua unicidade porque mostra a sua imagem espelhada na totalidade, no cosmo, sendo revelada no tempo.
” As coisas recebem seu ser e sua natureza por mútua dependência e em si mesmas nada são.”
Nagarjuna- sábio budista
“O que é Deus? É longitude, largura, altura e profundidade…”
São Bernardo de Claraval (sec. XII)
“Deus é um círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em nenhum lugar”
Empédocles (sec. V a.C)